Unidade C - O trabalho na sociedade capitalista

O Trabalho na Sociedade Capitalista

Para compreender o trabalho na sociedade capitalista, é necessário voltarmos a algumas noções sobre esse conceito construídas a partir da perspectiva de um dos pensadores que se dedicou a estudar e explicar os mecanismos de funcionamento da sociedade capitalista. Esse autor é Karl Marx, filósofo alemão do século XIX dedicado a estudar as relações humanas a partir das relações de trabalho para entender a sociedade como um todo. Para ele, a compreensão da sociedade que observava naquele período implicava uma profunda compreensão das novas relações de trabalho impressas pelas mudanças capitalistas.

O trabalho para Marx era expresso pelo processo de relação entre o homem e a natureza. A modificação da natureza provocada pelo homem, intencionalmente, é a base para a concepção de trabalho. Ao observar a natureza que o rodeia e projetar nela as suas vontades, tornando-a parte de sua vida e necessidades, o homem reconhece a si na transformação de seu espaço. Nas palavras de Marx:

Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o jogo das forças naturais (MARX, 1968, p. 202).

Esse trabalho, expresso na modificação da natureza, não pode ser confundido com a ação instintiva dos animais. Os animais operam sobre a natureza modificando-a, porém o homem projeta sua vontade na natureza quando realiza um trabalho. Os animais operam a natureza nas condições que lhes são apresentadas, já os homens alteram as próprias condições impostas pela natureza. Um bom exemplo disso é a utilização de ferramentas. Essa ideia é expressa por Marx da seguinte forma, “(...) o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade” (MARX, 1968, p.202).

Compreendida essa noção da projeção da vontade humana sobre a natureza é necessário examinar o que o autor classifica como os elementos componentes do trabalho que são três: o próprio trabalho, o objeto de trabalho e o instrumental de trabalho. O trabalho, portanto, seria a atividade adequada a um fim, a projeção da vontade humana, destacada anteriormente. O objeto de trabalho é a matéria na qual se aplica essa vontade humana. Já o instrumental refere-se aos meios do trabalho, trata-se de algo ou alguma coisa de qualquer natureza que se soma às condições naturais do homem no exercício de seu domínio sobre a própria natureza que o rodeia. O exemplo disso pode ser a lança provida por um bambu que serve de arma para uma caçada, ou a terra para a agricultura. O resultado da combinação desses elementos componentes é o produto. O produto do trabalho é o resultado da combinação dos três elementos anteriores, da atividade humana, do objeto do trabalho e do uso dos instrumentos (meios). A ação do trabalho passa a estar incorporada no produto realizado, materializa-se no processo produtivo. “Ele teceu e o produto é um tecido” (MARX, 1968, p.205).

Um produto pode vir a tornar-se objeto de trabalho ou meio de produção, dependendo das relações que se estabeleçam. Em outras palavras o couro curtido (produto do trabalho de um curtidor), pode ser o objeto de trabalho de um alfaiate para a confecção de um casaco de couro. Essas relações podem ser observadas na sociedade presente ou passada. Interessa é perceber que mudança há nessa relação com o desenvolvimento das relações capitalistas.

Segundo Marx, o capitalismo caracteriza-se pelo controle do processo de trabalho pelo capitalista. Esse controle começa com a aquisição no mercado dos diferentes elementos necessário à produção, ou seja, ele compra os materiais (meios de produção) e as pessoas (força de trabalho). A partir do controle desses elementos apropria-se do produto desse trabalho. Aquilo que o trabalhador faz não lhe pertence, mas sim àquele que o contratou.

A alteração do controle do processo produtivo, deslocado daquele que realiza o trabalho para alguém que coordena o processo, permitiu à sociedade criar novas formas de produzir. Se antes disso, um sapateiro imprimia sua vontade na confecção de um sapato e reconhecia-se nele (por realizar o que havia projetado), ao realizar o mesmo serviço para atender a vontade de outrem, distancia-se de seu produto. O sapateiro, sob o comando do capitalista, restringe-se à parte da vontade do proprietário dos meios de produção (objeto e instrumentos) e da força de trabalho (trabalhadores).

Essa separação, acima descrita, imposta pelas novas relações de trabalho da nascente sociedade capitalista, permitiu o desenvolvimento de novas formas de divisão do trabalho na sociedade. A manufatura ou o processo manufatureiro de produção ampliou ainda mais o controle capitalista sobre a produção. O capitalista, ao invés de controlar os indivíduos em sua produção, do início ao fim individualmente, passou a dispô-los a fim de exercerem seu trabalho em apenas parte do processo de produção. O produto do trabalho deixou de ser fruto do esforço e empreendimento de um único trabalhador, mas passou a ser resultado do emprego coletivo da força de trabalho. Essa mudança é explicitada por Marx da seguinte maneira:

Mas que é que estabelece a conexão entre os trabalhos independentes do criador, do curtidor e do sapateiro? O fato de os respectivos produtos serem mercadorias. E que é que caracteriza a divisão manufatureira do trabalho? Não produzir o trabalhador parcial nenhuma mercadoria. Só o produto coletivo dos trabalhadores parciais transforma-se em mercadorias. A divisão do trabalho na sociedade se processa através da compra e da venda dos produtos dos diferentes ramos de trabalho, a conexão, dentro da manufatura, dos trabalhos parciais, realiza-se através da venda de diferentes forças de trabalho coletiva (MARX, 1968, p.406-407).

O trabalhador, ao reduzir seus esforços para a realização de um trabalho parcial, não tem mais a possibilidade de reconhecer seu trabalho no produto gerado pelo processo de produção. O não reconhecimento do trabalhador em seu trabalho é tratado por Marx como processo de alienação. O trabalhador separa-se do produto produzido, desde a concepção, passando pela execução (parcelada entre trabalhadores) até a subjetivação do produto, ou seja, o reconhecimento de si naquilo que foi produzido.

Essas são algumas dimensões básicas das relações de trabalho engendradas pelo desenvolvimento do modo de produção capitalista. O trabalho, ao mesmo tempo que ocupa um papel central na constituição da sociedade, ao nível individual, torna-se alienante, enfadonho e não permite aos trabalhadores condições de reconhecimento de seus esforços e vontade.

Fonte: MARX, Karl. O Capital (crítica da economia política). Livro 1, Vol. 1. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1968.