Unidade C - Modos de produção capitalista

Taylorismo, Fordismo e Produção Flexível

O trabalho na sociedade capitalista não permaneceu o mesmo em suas características em relação àquele trabalho que era realizado pelo camponês medieval ou o escravo da antiguidade. Conforme vimos anteriormente, o capitalismo impulsionou a divisão do trabalho e da produção em partes, para a construção de um produto. As mudanças, no entanto, não pararam nessa divisão de tarefas alienante. Ao longo do desenvolvimento industrial, novas ideias contribuíram para o aumento da produção e controle do processo de trabalho. No presente texto, será abordada a administração científica do trabalho de Taylor, o modelo fordista de produção e a produção flexível ou toyotismo. Esses três modelos representam as principais mudanças nas relações de trabalho experimentadas ao longo do século XX.

Na passagem do século XIX para o século XX, surge uma nova cultura do trabalho, denominada como “taylorismo” ou “administração científica do trabalho”.

Frederick Winslow Taylor, fundador da “gerência científica do trabalho”, teve uma trajetória profissional e de vida extremamente curiosa e, de certa forma, decisiva para as suas formulações teóricas que resultaram num novo padrão de gestão e organização do trabalho. (...) Começou como operário de uma fábrica (Midvale Steel Company) e foi a partir de suas experiências e práticas de trabalho que se dedicou a observar e a estudar os tempos e movimentos realizados, em cada operação, no processo de trabalho (DRUCK, 1999 p.40 - 41).

As observações de Taylor dos movimentos empregados pelos trabalhadores nas fábricas eram anotadas e serviam de base para que repensasse o modo de se fazer determinadas atividades, em busca do melhor aproveitamento possível do tempo e movimento dos trabalhadores na execução de suas atividades. Trata-se de acordo com Druck (1999, p.41), de uma espécie de mecanização da força de trabalho sem o uso das máquinas. A proposta de Taylor era automatizar e racionalizar ao máximo o movimento dos trabalhadores no exercício de seu trabalho, aproveitando da melhor maneira o seu tempo.

Esse estudo do tempo e do movimento nas fábricas implicava a separação entre concepção e execução do trabalho. Alguns (os gerentes) acabavam por ser os responsáveis por pensar e planejar os procedimentos de trabalho, enquanto aos outros (operários) cabia a execução do que lhes era demandado. A ideia central era capacitar os gerentes (administradores) com conhecimento sobre a produção (até então sob controle dos próprios trabalhadores). A separação entre concepção e execução tinha por finalidade livrar as empresas da dependência na execução das atividades de produção da iniciativa e conhecimento dos próprios trabalhadores.

Essa divisão acirra-se e intensifica-se com a incorporação e uso de máquinas, especialmente com o desenvolvimento da linha de produção. A reunião de conhecimentos sobre o processo de produção tornou possível a organização do trabalho numa linha de produção com o auxílio das máquinas. O tempo e o movimento estudados por Taylor, não mais dependiam de um fiscal ou cronometrista, mas eram controlados pelo movimento das máquinas e das esteiras no chão de fábrica.

O século XX foi o século da produção em massa. Em seus anos iniciais, a introdução da linha de montagem foi aclamada com um entusiasmo que beirava a adulação. O responsável, por isso, foi considerado um homem milagroso. E esse homem foi Henry Ford (BEYNON, 1995, p. 37).

A racionalização do trabalho, a implementação da esteira e da linha de montagem, bem como um intenso controle do comportamento dos operários dentro e fora das fábricas, proporcionaram a formação de um novo modo de relacionar-se com o trabalho. As modificações nas relações de trabalho implementadas por Ford não trouxeram novidades tecnológicas, mas sim inovações na organização do modo de produzir. Alguns autores falam da formação de um novo homem, cuja ética deveria pautar-se pelo compromisso com o trabalho e a aceitação da rotinização de seus esforços.

(...) se de fato analisarmos essa chamada nova tecnologia, descobriremos que não se trata de “tecnologia” alguma. Não é uma combinação de forças físicas. É um princípio de ordem social. Essa é a verdade do trabalho de Ford. Ele não fez uma só invenção ou descoberta mecânica; tudo o que ele usou de mecânica já era muito conhecido havia um bom tempo. Apenas seu conceito de organização humana foi novo (DRUCKER, 1950, p.19; APUB BEYNON, 1995, p.39).

O sistema de trabalho imposto por Ford em suas indústrias envolvia um pagamento considerado alto para o período. O salário oferecido aos trabalhadores foi aumentado de 2,30 dólares diários para 5,00 dólares. No entanto, o recebimento dessa atraente quantia era condicionado não só ao ajuste do trabalhador às exigências enfadonhas e perigosas da linha de produção, mas também a um ajuste de comportamentos fora dos limites da fábrica. Algumas das cláusulas que deviam ser preenchidas para se receber a pequena fortuna na forma de salário incluíam, além do compromisso com os horários de trabalho (redução dos atrasos), o cumprimento de seis meses de trabalho, ser homens, maiores de 21 anos, que não fumassem, bebessem ou fossem viciados em jogos.

As mudanças promovidas e impostas por Ford causaram um grande impacto no rendimento do trabalho. Os ‘incentivos’ às condutas requisitadas pela indústria surtiram efeito, proporcionaram maior estabilidade da mão-de-obra no chão de fábrica, maior produção e consequentemente redução dos custos de produção. Essa nova forma de ser trabalhador nas indústrias automobilistas de Ford eram aplicadas e supervisionadas por equipes de especialistas, alocadas num departamento exclusivo para essa função, o departamento sociológico.

As exigências nas fábricas da Companhia Ford não paravam por aí. Nas fábricas era exercido um controle cronométrico dos trabalhadores. Conversar ou sorrir nas fábricas muitas vezes era considerado uma falta que poderia levar à demissão. A vigilância, fiscalização e espionagem sobre os trabalhadores chegou a incentivar a formação do que se denominou a “fordização da face”, trabalhadores que se habituaram a conversar com o mínimo de expressões faciais possíveis para não serem acusados de estarem evadindo do trabalho.

A organização Ford estava resolvida a impedir a sindicalização e toda interferência com a maneira como eram dirigidas suas fábricas. Tornou-se obcecada pela ideia dos agitadores “vermelhos”. Qualquer um que fizesse alguma coisa remotamente irregular era despedido e ganhava esse rótulo (BEYNON, 1995, p.56).

O combate ao sindicalismo envolvia a força bruta dos seguranças das fábricas que agiam com violência nas tentativas de assédio aos trabalhadores (panfletagem) bem como o emprego de agências de detetives e atividades de espionagem dentro da fábrica para localizar e despedir trabalhadores suspeitos. Essa oposição ao sindicalismo resistiu até 1941, quando mais de 50 mil homens pararam de trabalhar e marcharam pela fábrica reivindicando o direito do sindicato de ser reconhecido e de poder negociar.

O modelo de produção implantado por Ford foi amplamente difundido por indústrias nos Estados Unidos e no resto do mundo. A consequência disso foi o aumento da produção em larga escala, dando origem ao que muitos pesquisadores denominam de a Era Dourada do Capitalismo nos anos de 1950 (Hobsbawn). A intensificação da competição entre as empresas levou a necessidade de reorganizações no modo de produzir para a manutenção da competitividade e da própria existência de muitas empresas.

Nesse período de consolidação do modelo Fordista de produção ao redor do globo iniciou-se no Japão um processo de adaptação do modelo às características e às necessidades das empresas japonesas. Na medida em que estas necessitavam reerguerem-se do pós-guerra e competir com as já estabelecidas empresas americanas, as empresas japonesas viram-se forçadas a desenvolver formas mais competitivas de produção. Esse novo método desenvolvido passou a ser denominado “de métodos flexíveis, Just-in-time, método Kanban ou toyotismo, já que a Toyota foi a primeira a empregá-lo” (GOUNET, 1999, p.25).

A primeira mudança em relação ao modelo fordista é troca da orientação da máxima produção para a produção por demanda. Enquanto no modelo fordista a missão da fábrica era produzir ao máximo, ficando a responsabilidade da venda para o setor comercial, no Toyotismo, a produção deve acompanhar a demanda. A lógica de produção obedece ao princípio das prateleiras de supermercados, repõem-se as unidades que são consumidas. Portanto, pode-se afirmar que uma primeira característica do Toyotismo é a produção orientada pela demanda.

No funcionamento das fábricas, decompôs-se o processo em quatro etapas: transporte, produção, estocagem e controle de qualidade. Dessas etapas, somente a produção agrega valor, as outras três etapas representam custos para a fábrica, devendo ser reduzidas ao máximo. O objetivo disso é reduzir o desperdício, aumentar os fluxos e garantir flexibilidade da produção.

Essa flexibilidade desejada tinha de refletir também nos operários. Enquanto no modelo fordista admitia-se um operário por máquina, o toyotismo previa um maior uso de máquinas e requeria um operário que operasse até 5 máquinas, quatro em funcionamento e uma em preparação para operar. Caso fosse necessário, o reparo/preparação de duas máquinas solicita-se a ajuda de outro operário. Os trabalhadores nesse modelo devem aprender a trabalhar em equipes e ser polivalentes, conhecer e operar diferentes máquinas.

Uma tecnologia importante para o funcionamento do modelo toyotista é o kanban. Trata-se de um painel com fichas que representam as peças em estoque (sempre trabalhando com estoques mínimos possíveis). Assim que determinada peça é requisita pela produção, uma ficha correspondente é retirada do painel e enviada para o setor responsável de repô-la. Essa ferramenta garante a reposição dos estoques na medida em que são demandados pela produção, que obedece os pedidos. Todo o processo orienta-se pelas vendas para funcionar, evitando assim o desperdício.

Para se alcançar a flexibilidade desse sistema, outro elemento era essencial, a própria estrutura produtiva como máquinas e equipamentos. Para atender a mudanças na demanda, devia-se contar com um aparato produtivo que pudesse modificar-se rapidamente para alterar o produto final. O objetivo era atender demandas diferenciadas em curto espaço de tempo. No modelo fordista, voltado para a maximização da produção, os resultados esperados (produto) eram sempre os mesmos, estando voltada à produção para o maior número possível de produtos. No modelo Toyotista não se objetiva o maior número possível, mas sim o número mais próximo da demanda do mercado, podendo inclusive alterar-se o produto para atender a essa demanda. A solução dessa necessidade deu-se com o desenvolvimento do Single Minute Echange Die (SMED), a adaptação das máquinas e equipamentos industriais em poucos minutos. Buscava-se prever na própria construção dos equipamentos, tornando-os fáceis de ser modificados rapidamente para corresponderem às novas necessidades de produção.

Por fim, outra reorganização realizada no modelo japonês da Toyota foi a terceirização de processos. A fábrica passa a deixar parte de suas funções para empresas subcontratadas para o fornecimento de partes. A fábrica de carros passa a ser uma montadora, que reúne peças de demais empresas e as soma para a produção de um veículo demandado. Essa terceirização da produção acompanha as demais mudanças citadas, a própria produção delas é orientada pela demanda da montadora, garantindo-se assim a toda a cadeia à flexibilidade necessária ao modelo. Segundo Gounet, pode também caracterizar a produção flexível em cinco pontos:

Frequentemente também se caracteriza o toyotismo pelos cinco zeros:
- Zero atrasos: a demanda puxa a produção, o fluxo comanda o crescimento; um cliente não deve esperar para comprar um carro.
- Zero estoques: só são permitidas as reservas de base.
- Zero defeitos: cada posto de trabalho controla a qualidade do trabalho do posto precedente.
- Zero panes: as máquinas nunca são usadas com capacidade plena e são escolhidas não em função de seu avanço técnico, mas de sua função na cadeia; para uma operação simples é preferível uma máquina simples.
- Zero papéis: o kanban reduz bastante as ordens administrativas e a papelada em geral (GOUNET, 1999, p. 29).

O operário no modelo de produção flexível não deixou de ser controlado pelos responsáveis da fábrica. A organização em equipes implicou a incorporação das regras e compromissos nos operários, incutindo-lhes inclusive sentimentos de competição (inter-equipes) que interessavam ao aumento da produção. Os problemas de sindicalização que ocorriam nos Estados Unidos, no Japão foram resolvidos fábrica a fábrica, com sindicatos atrelados aos patrões.

Muito se discute sobre as próximas mudanças nas relações de trabalho nas indústrias. Muitos estudiosos enxergam no crescimento do setor de serviços uma mudança do próprio papel da produção na sociedade contemporânea. O mais importante é reter o conhecimento dessas transformações para pensar, refletir e agir sobre as novas relações que venham a se constituir, pois elas impactam não só no trabalho mas no cotidiano de todos, operários ou não.