A Percepção Para a Psicologia e Sua Formação
Nas relações de trabalho, nem tudo são determinações sociais. Ou melhor, muitas vezes o que mais importam nas relações de trabalho estão aquém das determinações mais gerais das mudanças na sociedade, mas sim o que se percebe sobre essa realidade. Nesse sentido é que a psicologia em muito contribuiu para se pensar e compreender as relações de trabalho. Não basta compreender os processos gerais de transformação de modelos de produção (como, por exemplo, do taylorismo até o toyotismo), mas também é importante entender como determinadas formas de se organizar o trabalho é percebida pelos próprios trabalhadores. Portanto, buscaremos nesta unidade desenvolver noções acerca da percepção para a psicologia e sua formação, para que possamos pensar outras dimensões das relações de trabalho. A percepção de si e das coisas do mundo está intimamente relacionada à cognição, à memória e à inteligência.
A percepção é o elemento de ligação entre a cognição (nosso pensamento) e a realidade. Cabe a percepção da responsabilidade de conduzir informações sobre a realidade a serem processadas pelo nosso sistema cognitivo. Se não percebemos a realidade que nos cerca, também não pensamos sobre ela. O mesmo raciocínio serve para se falar nas relações de trabalho, se não percebemos essas relações, como elas se dão e se estabelecem, também não podem ser pensadas, menos ainda modificadas.
A percepção é composta por quatro dimensões complementares. A primeira delas são as interferências do meio a que se referem, especialmente, aos conhecimentos já existentes sobre as coisas e o mundo que nos cerca. Essa dimensão incorpora, ou melhor, pode considerar os conhecimentos partilhados de uma cultura. A segunda dimensão constitutiva da percepção deve-se à combinação desse conhecimento prévio com as habilidades construtivas. Em terceiro, depende da percepção de dimensões relacionadas à fisiologia. Por último e não menos importante que as demais dimensões estão as experiências do sujeito, experiências individuais anteriores.
Aquilo que percebemos depende em primeiro lugar das condições que observamos determinada coisa ou fenômeno. Muitas vezes, dependemos de conhecimentos outros partilhados ou conhecidos (por histórias de outros para fazermos julgamentos sobre o que percebemos). A nossa percepção é condicionada pelos signos de que dispomos em nossa sociedade. Um bom exemplo é pensar na visão de um helicóptero. Provavelmente, o som de um seja o suficiente para que o perceba enquanto tal. Dispomos em nossa sociedade de um grau razoável de conhecimento sobre o que é um helicóptero, seu formato e seu som. Imagine agora uma tribo amazônica até então sem contato com outros grupos humanos. Eles podem até mesmo observar ao helicóptero, mas sua percepção o fará a realizar reflexões que em nada se assemelhará ao que entendemos por esse meio de transporte aéreo.
Percebemos as coisas do mundo de acordo com a experiência anterior e essa experiência combina a experiência pessoal (antológica) e a experiência de toda a humanidade (filológica) (BOCK, 2008, p. 157).
Essa dimensão da percepção está intimamente relacionada à nossa capacidade de criar e testar hipóteses acerca daquilo que observamos. Utilizamo-nos de nossa capacidade de coletar dados da realidade através da percepção para construirmos hipóteses sobre o mundo que nos rodeia. Juntamos informações que confirmem ou desmintam nossas convicções a respeito das coisas que percebemos. Esse trabalho de testar de hipóteses depende da função de memória no sentido de catalogar e comparar as informações obtidas com outras já conhecidas. Segundo Davidoff:
Como sujeito da percepção continuamente antecipou o que ocorrerá depois, com base no que acabamos de reunir. As informações de cada ato perceptivo precisam ser armazenadas momentaneamente na memória; caso contrário, serão perdidas (DAVIDOFF, 2001, p.141).
O nome dado a essa capacidade de refletir sobre as percepções é de habilidade construtiva. A construção está na elaboração de combinações de informações num conjunto integrado que dê explicação às coisas do mundo. Imagine a seguinte cena: Na fábrica em que você trabalha, há uma sala, na qual ficam estocados produtos inflamáveis (papéis ou borracha). Passando pelo local, você sente um cheiro forte de fumaça (primeira percepção). Observando melhor a porta da sala de estoques, consegue enxergar que a fumaça vem dali (segunda percepção). A que conclusão você pode chegar? Essa capacidade de perceber o ambiente, a realidade e antecipar, testar hipóteses é o que denominamos de habilidade construtiva. Na situação narrada acima, não foi preciso ver ou sentir o fogo na sala de estoque para presumir essa possibilidade. Segundo Davidoff:
Quando falamos de habilidade construtiva, estamos, portanto, referendo-nos a essas operações de teste de hipótese, antecipação, amostragem, armazenamento e integração (DAVIDOFF, 2001, p.141).
A percepção, portanto, depende de conhecimentos anteriores e da nossa capacidade de estabelecer relações entre essas informações num conjunto coeso e coerente a respeito do mundo que nos cerca. No entanto, para que isso ocorra também há a necessidade ou dependência do funcionamento de nosso aparelho sensorial (os sentidos). Através deles é que captamos informações sobre o nosso meio.
Para entender a percepção, precisamos também saber algo sobre o equipamento fisiológico que possibilita coletar informações (o aparelho sensorial). Precisamos também conhecer algo do processamento dessas informações pelos sistemas sensorial e nervoso (DAVIDOFF, 2001, p.142).
Por último, a percepção também depende das experiências individuais. As vivências de cada um podem conduzir-nos a perceber determinadas dimensões da realidade em detrimento de outras. Este é o caso nas diferenças de observação de uma mesma situação por profissionais diferentes, cada um reúne sua experiência individual na seleção de informações, avaliação e julgamento.
No ambiente de trabalho é importante diferenciar essas dimensões da percepção. Muitos problemas de relacionamento podem ser resultado de diferenças percebidas de situações, relações e fatos no ambiente de trabalho. Na próxima unidade procuraremos desenvolver mais a noção de percepção a partir da psicologia, para melhor compreender as dimensões de relacionamentos sociais e de comunicação.
Fonte:
BOCK, A.M. Psicologias. Uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2008.
DAVIDOFF, Linda L. Introdução à Psicologia. São Paulo: Person Makron Books, 2001.