Unidade A – História da Toxicologia

História da Toxicologia

A história da Toxicologia acompanha a própria história da civilização, pois, desde a época mais remota, o homem possuía conhecimento sobre os efeitos tóxicos de venenos animais e de uma variedade de plantas tóxicas. Assim, apesar da falta de registros nos primórdios da humanidade, a Toxicologia é uma das ciências práticas mais antigas. O poder aniquilador de venenos era frequentemente utilizado como instrumento de caça ou como arma contra os inimigos.

Os primeiros manuscritos encontrados relacionados com a Toxicologia são os papiros de Smith e de Ebers. Descoberto pelo egiptólogo e novelista alemão George Maurice Ebers, em 1873, o papiro de Ebers se encontra na Universitats Bibliothek de Leipzig, Alemanha. Ele é um pergaminho que compila os textos médicos mais antigos que se conhece, datado de cerca de 1550 a.C. Foi descoberto próximo à câmara mortuária de Ramsés e contém 800 fórmulas mágicas, remédios feitos à base de plantas e algumas outras substâncias com propriedades de veneno. As propriedades medicinais da romã, por exemplo, conhecidas desde a Antiguidade, são descritas nesse documento, além do efeito de várias outras substâncias vegetais e minerais como a cicuta, ópio, chumbo, antimônio, etc.

Hippocrates (460-364 a. C.), Theophrastus (370-287 a. C.), Dioscorides (40-90 d. C.), entre outros, contribuíram muito para a identificação de novos agentes tóxicos terapêuticos.

Na antiguidade, o veneno foi muito utilizado com fins políticos. Provavelmente, o caso mais conhecido do uso de veneno em execuções do estado foi o de Sócrates (470-399 a. C.), condenado à morte pela ingestão de extrato de cicuta.

A primeira classificação de venenos, em animais, vegetais e minerais, se deve a Dioscorides, médico grego que trabalhava na corte do imperador romano Nero. O ópio, a cicuta, o acônito e os digitalis estavam entre os agentes tóxicos obtidos do reino vegetal, enquanto os venenos de víboras, sapos e salamandras representavam os agentes do reino animal. Entre as substâncias de origem mineral citavam-se o arsênio, o chumbo, o cobre e o antimônio. Dioscorides recomendava o uso de eméticos em caso de envenenamento e as ventosas nas picadas de cobras.

Em Roma, o uso indiscriminado de venenos ganhou proporções epidêmicas durante o século IV a.C. e este uso em larga escala prosseguiu até que Sulla elaborou a Lex Cornelia (cerca de 82 a.C.), que parece ter sido a primeira lei para punir os envenenadores.

A Toxicologia evoluiu lentamente e mesmo nos séculos XVII e XVIII os métodos de estudo eram muito empíricos.
As pedras preciosas eram tidas como excelentes antídotos. Às pedras de maior valor era atribuído maior efeito curativo. Assim, a ametista era indicada para intoxicações por bebidas alcoólicas e o topázio na prevenção da morte súbita.

Durante o obscurantismo científico da Idade Média e até os primórdios do Renascimento, os envenenamentos eram aceitos pela sociedade europeia como risco “normal” da vida cotidiana. Entretanto, alguns conhecimentos científicos em toxicologia foram gerados pelos árabes. Assim, a medicina árabe desenvolveu métodos químicos – destilação, sublimação e cristalização – para preparação de extratos medicamentosos, aplicados também aos venenos.

César e Lucrécia Bórgia 1475-1507 e 1480-1519, respectivamente), filhos ilegítimos do Papa Alexandre VI que morreu ao engolir, por engano, um veneno que ele e o filho César prepararam para outras pessoas, foram acusados de simonia (tráfico de coisas sagradas ou espirituais, tais como sacramentos, dignidades, benefícios eclesiásticos etc.), luxúria, incesto e outras perversões, além de envenenamentos, fratricídios e uma insaciável sede de poder. Os Bórgia alimentaram as piores histórias sobre o papado da Renascença. Seu veneno chamado “La Cantarella” tem sua composição desconhecida até hoje, provavelmente, continha cobre, arsênico e fósforo bruto. Lucrécia Bórgia teria sido envenenada por um de seus filhos.

 

 

“Tinta usada por D. Maria I continha elementos tóxicos”, disponível em http://www.tvciencia.pt/tvccie/pagcie/tvccie05.asp?codcie=50017>

 

 

Foi Paracelsus quem representou um grande marco da Toxicologia, separando esta ciência em antiga e moderna. Philippus Aureolus Theophrastus Bombast von Hohenheim, o Paracelsus (1493 - 1541), foi médico, filósofo, alquimista iatroquímico, astrólogo e segundo alguns, charlatão, nascido em Eisnsiedeln, cantão suíço, que revolucionou a medicina de seu tempo ao antecipar a homeopatia e o uso da química no tratamento médico. Formou-se em Medicina em Viena, doutorou-se em Ferrara e adotou o nome de Paracelso, que significa “superior a Celso” (Aulo Cornélio Celso, famoso médico romano do século I). Viajou pela Europa personificando uma transição viva entre a antiga Arte, no sentido alquímico, astrológico e cabalístico obediente tão só aos princípios hipocráticos e galênicos, e a nova Medicina, que trazia novos métodos e novos ensinamentos decorrentes de notáveis descobertas que se processavam em todos os setores da patologia, da terapêutica, da cirurgia, da farmácia e das ciências físico-químicas. Entre outras realizações, introduziu do conceito de doença na Medicina, empregou o método experimental, introduziu o ópio, o mercúrio, o óxido de zinco e outros preparados químicos na terapêutica.

O século XX caracterizou-se pelo grande avanço tecnológico no campo da síntese química. Milhares de novos compostos foram sintetizados para diversos fins, tais como farmacêuticos, alimentares e agrícolas. O contato do homem com esses agentes tem provocado inúmeros casos de intoxicação. Em 1937 houve a morte de centenas de pacientes tratados com sulfanilamida. No final da década de 1950, várias crianças foram vítimas de grave acidente ocorrido pela utilização de talidomida pelas mulheres no período de gestação. A talidomida é potencialmente nos primeiros meses de desenvolvimento.

 

 

Assista ao vídeo sobre o uso do DDT disponível em <http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/handle/mec/14922>

 

 

Após a segunda guerra mundial, a Toxicologia experimentou notável desenvolvimento, principalmente a partir da década de 1960, deixando de ser a ciência envolvida apenas com o aspecto forense. Hoje a ênfase é voltada à avaliação da segurança e risco na utilização de substâncias químicas, além da aplicação de dados gerados em estudos toxicológicos como base para o controle regulatório de substâncias químicas no alimento, no ambiente, nos locais de trabalho, entre outros. Os estudos da carcinogenicidade, mutagenicidade, teratogenicidade, assim como os aspectos preventivos, preditivos e comportamentais de substâncias químicas são alguns exemplos de tópicos da toxicologia contemporânea.

As autoridades governamentais de vários países decidiram tornar obrigatórios os testes de toxicidade de todos os medicamentos, previamente ao seu registro junto aos Órgãos competentes. No Brasil, a Resolução 1/88 do Conselho Nacional de Saúde estabeleceu normas a serem seguidas para os ensaios pré-clínicos e clínicos. A obrigatoriedade de ensaios toxicológicos é hoje válida também para as substâncias pertencentes a outras categorias, como praguicidas, domissanitários e aditivos alimentares, com as quais o homem entre em contato como usuário ou durante o processo de fabricação; sua regulamentação é feita principalmente pelo Ministério da Saúde, Ministério da Agricultura e Ibama.