Unidade A – Toxicocinética

Distribuição

Os xenobióticos são transportados pelo sangue e pela linfa para os diversos tecidos. Portanto, a distribuição depende do fluxo sanguíneo e linfático nos diferentes órgãos, além, de sofrer interferência de outros fatores tais como a ligação às proteínas plasmáticas, diferenças regionais de pH e coeficiente de partição óleo/água de cada substância. O equilíbrio de distribuição é atingido mais facilmente nos tecidos, que recebem grande circulação de fluidos (coração, cérebro, fígado) e mais lentamente nos órgãos pouco irrigados (ossos, unhas, dentes e tecido adiposo).

As partículas ou moléculas de substâncias tóxicas passam do leito vascular para os espaços extracelulares, dispersando-se no fluido intersticial e devem atravessar as membranas celulares para alcançar o fluído intracelular. A intensidade e a duração do efeito tóxico dependem da concentração do agente nos sítios de ação. Para alcançar o sítio de ação, a substância deve estar preferencialmente no seu estado molecular lipossolúvel e não ligada às proteínas plasmáticas.

Na fase inicial da distribuição, os órgãos altamente irrigados recebem grande quantidade de xenobióticos, mas, após algum tempo, órgãos menos irrigados podem acumular maior quantidade do agente, desde que possuam maior afinidade ou maior poder de retenção do que os órgãos intensamente irrigados. Estes são chamados de tecidos de depósito. É o caso, por exemplo, do chumbo que, 2h após sua administração em animais, 50% da dose encontram-se no fígado; aos 30 dias, 90% do metal que permanece no organismo estão ligados ao tecido ósseo. Este é liberado continuamente à medida que a concentração plasmática diminui. No caso especificamente do chumbo, a intoxicação pode permanecer por muitos anos, uma vez que sua meia-vida de eliminação é de cerca de 20 a 30 anos. Agentes lipofílicos, como alguns anestésicos e pesticidas, acumulam-se no tecido adiposo e em caso de mobilização rápida de gordura, suas concentrações aumentam e podem ser determinantes para a toxicidade.

Volume de distribuição

É o parâmetro toxicocinético que indica a extensão da distribuição de uma substância. Esse índice expressa o volume teórico dos compartimentos, onde o xenobiótico estaria uniformemente distribuído. Grande volume de distribuição (30-45 L para um homem de cerca de 75 kg) indica que o xenobiótico é distribuído a várias partes do organismo com uma pequena fração permanecendo no plasma. O valor de Vd relativamente pequeno indica que maior fração do xenobiótico permanece no plasma, provavelmente como resultado da ligação às proteínas plasmáticas.

O Vd é calculado, dividindo-se a dose administrada pela concentração plasmática e expresso em litros.

Vd = dose (mg) / concentração plasmática (mg/L)

Os compostos que se ligam fortemente com as proteínas ou que são muito lipofílicos, apresentam-se em concentrações muito baixas no plasma, fazendo com que sejam estimados volumes aparentes de distribuição muito grandes, 100 litros ou mais, o que indica que o xenobiótico distribui-se a vários compartimentos do organismo e encontra-se em baixa concentração no plasma. Ao contrário, para uma substância com VD relativamente pequeno, a maior fração permanece no plasma, provavelmente, como resultado da fixação protéica.

Assim, toxicidade do xenobiótico depende de seu volume de distribuição, mas nem sempre o local de maior distribuição é o órgão mais lesado. Às vezes, um órgão funciona como simples depósito. Como já salientado, a maior afinidade de agentes lipofílicos pelos tecidos adiposos prejudica a distribuição de anestésicos ao sistema nervoso central. Ademais, o acúmulo do xenobiótico no tecido de depósito pode conferir toxicidade, como o acúmulo de flúor na matriz óssea que causa a fluorose.

Ligação de agentes tóxicos às proteínas

As proteínas do sangue, livres ou complexadas com hemáceas ou proteínas do tipo albumina, lipoproteínas e α1-glicoproteína ácida em particular, têm o poder de complexar muitas moléculas. A porção de xenobióticos complexados com as proteínas é temporariamente inativa e é incapaz de atravessar membranas, enquanto a porção não complexada o faz livremente. Portanto, qualquer fator que aumente o grau de ligação proteica tende a afetar a distribuição de xenobióticos, mantendo-os na circulação sistêmica e dificultando a sua distribuição para outros compartimentos.

Dentre proteínas ligantes, a albumina representa o componente mais importante por ser a mais abundante e por sua afinidade a grande número de substâncias. Os fármacos de caráter ácido (fenobarbital, fenilbutazona, naproxeno, indometacina, ácido valproico) ligam-se quase que exclusivamente à albumina enquanto os de caráter básico (quinidina, imipramina) ligam-se preferencialmente à  α1-glicoproteína ácida.

As β-globulinas têm importante função transportadora de esteroides androgênicos e estrogênicos. Os hormônios da tireoide ligam-se a várias proteínas, entre as quais a pré-albumina e globulina ligantes de tiroxina. O cortisol é transportado complexado à transcortina.

Os xenobióticos livres são transportados aos tecidos, onde podem se fixar aos componentes teciduais. As concentrações alcançadas nos tecido dependem, portanto, do fluxo sanguíneo e da afinidade dos xenobióticos aos componentes teciduais. A absorção pelas células é dependente da capacidade do agente de atravessar membranas, portanto, depende do tamanho da molécula, da lipossolubilidade e da presença de transportes ativos específicos.

O término do efeito tóxico de uma substância costuma ocorrer por biotransformação ou excreção, mas, também pode resultar da redistribuição da substância do seu sítio de ação para outros tecidos. Entretanto, ela ainda estará armazenada nestes locais na forma ativa e sua saída definitiva dependerá de biotransformação e excreção. Se houver saturação do local de armazenamento com a dose inicial, uma dose subsequente pode produzir efeito prolongado.

Um exemplo é o uso endovenoso do anestésico tiopental, um fármaco altamente lipossolúvel. Como o fluxo sanguíneo cerebral é muito alto, o fármaco alcança sua concentração máxima no cérebro, cerca de um minuto após sua administração. Após o término da injeção, a concentração plasmática do tiopental cai, à medida que ele se difunde para outros tecidos como os músculos. A concentração do fármaco no cérebro segue a do plasma, porque há pouca ligação com componentes cerebrais. Desse modo, o início da anestesia é rápido e o término também, pois ambos estão diretamente relacionados com a concentração da substância no cérebro.

Barreiras biológicas

As barreiras que separam o compartimento sanguíneo do sistema nervo central e do feto, são denominadas, respectivamente, barreira hematoencefálica e placentária. Ambas apresentam estruturas anatômicas e funcionais especiais que lhes permitem uma capacidade seletiva maior de substâncias.