Unidade A – Mutagênese e carcinogênese

Mutagênese

Mutação é uma alteração súbita do material genético que é transmitida à descendência. Dependendo da linhagem celular em que ocorra a mutação, germinativa ou somática, esta passará, respectivamente, às novas gerações ou ás células filhas.

A partir dos estudos iniciais que enfocavam apenas as mutações que determinam o aparecimento de um novo fenótipo, foi possível estabelecer que elas são eventos raros, que ocorrem ao acaso, podendo ser recorrentes.

A taxa de mutação é definida nos organismos assexuados como número de mutações por célula, por geração; nos sexuados, como o número de mutações por gameta, por geração.

A análise genética das mutações no homem é baseada em heredogramas e, nos animais de laboratório, em esquemas específicos de cruzamentos entre animais com diferentes fenótipos. De um modo geral, é possível estabelecer se a mutação é dominante ou recessiva e se está localizada em cromossomos autossômicos ou sexuais. Há exemplos clássicos de heredogramas de famílias em que foi possível identificar, além do tipo de herança, o indivíduo em que ocorreu a mutação. É o caso da hemofilia na família real da Inglaterra, uma mutação ligada ao X que deve ter se originado na rainha Vitória.

Além da abordagem genética, as mutações passaram a ser analisadas também por métodos citogenéticos e moleculares. Os dados indicam que, embora a replicação do DNA seja um processo extremamente rígido em relação aos mecanismos de controle de sua fidelidade (normalmente uma molécula de DNA é copiada com menos de um erro em 109 nucleotídeos), o nível de erros pode ser aumentado por características específicas de certas seqüências de DNA. Mutações pontuais são favorecidas, por exemplo, pela presença de citosinas metiladas e a existência de domínios instáveis (seqüências repetitivas, seqüências reconhecidas por recombinases e regiões hipervariáveis de imunoglobulinas) favorecem outros tipos de mutações. A análise direta do DNA genômico através de sequenciamento acabou por revelar a existência de regiões com diferentes susceptibilidades às mutações, dependendo do tipo de informação/seqüência contida nesta (heterocromatina, eurocromatina, regiões intergênicas, etc.), inclusive que genes de manutenção, essenciais ao funcionamento celular, sofrem com mutações muito mais lentamente que os outros.

A extensão do genoma afetado pode ir desde um único par de bases até cromossomos inteiros, o que define as alterações em micro e macrolesões. As microlesões incluem basicamente as mutações pontuais e as macrolesões englobam as translocações e deleções cromossômicas e a amplificação de grandes extensões de DNA.

Mutações Pontuais

As mutações pontuais afetam em um único par de bases e são consideradas as principais causas das doenças genéticas. Este grupo de mutações inclui as substituições, perdas e adições de bases. As mutações pontuais por substituição de basepodem ser classificadas em dois grupos:

Transição, a classe mais comum, é aquela em que uma purina é substituída por outra, ou uma pirimidina por outra.

Transversão, menos freqüente, implica a substituição de uma purina por uma pirimidina ou vice-versa.

De um modo geral, as mutações pontuais podem resultar de dois tipos de eventos. Erros bioquímicos endógenos, conseqüentes do mau funcionamento dos sistemas celulares que replicam ou reparam o DNA, podem determinar a inserção de uma base errada na cadeia polinucleotídica durante a sua síntese, ou ainda, como um mecanismo alternativo, pode ocorrer a interferência química direta em uma das bases do DNA.

A existência de bases modificadas parece ser a maior causa de mutações espontâneas. As mutações pontuais podem, portanto, ser resultantes de um erro na replicação ou no reparo, apesar da eficiência dos mecanismos de checagem da fidelidade da cópia do DNA, existentes no organismo. Dessas alterações, apenas algumas escapam acidentalmente a estes mecanismos, resultando em modificações estáveis (mutações) na cadeia de DNA. Assim se explica a decepção e inserção de um ou poucos pares de base. A estabilidade do genoma depende dos mecanismos de reparo que são catalisados por conjuntos diferentes de enzimas, cujo funcionamento depende da existência de duas fitas de DNA; quando uma delas é lesada, a informação contida na outra será utilizada para sua recuperação.

Mutação Induzida

A ocorrência de mutações pode ser aumentada pela exposição do organismo aos agentes denominados mutagênicos. Muitos deles agem diretamente em virtude de sua capacidade de ação sobre uma base específica do DNA ou de ser incorporado ao ácido nucléico, ou ainda  pela sua capacidade de formar complexos, chamados adutos, que dificultam a replicação. O potencial ou eficiência de um agente mutagênico é avaliado pelo aumento da freqüência de mutações em relação ao nível basal, quando se analisa um organismo a ele exposto.

Efeitos da Mutação

As mutações podem ter diferentes efeitos sobre a expressão dos genes sobre elas afetados, dependendo do tipo de alteração e da região gênica específica em que ocorreram. A substituição de bases, na região codificadora, pode determinar três diferentes tipos de mutação:

Macrolesões do DNA

Outros tipos de mutações que englobam porções maiores do DNA podem ser chamados de macrolesões, podendo consistir da perda, duplicação, inversão ou translocação de poucas bases até longas extensões cromossômicas. Estas alterações são frequentemente observadas em associação com a carcinogênese, principalmente na fase de progressão tumoral.

A deleção afeta um segmento de DNA de tamanho muito variável, que pode ir de poucas bases, detectável apenas por técnicas mais sofisticadas, como hibridização por Southern, até extensões grandes como 2-5 milhões depares de bases ou mesmo cromossomos inteiros, demonstráveis por técnicas citogenéticas.

Reparo do DNA

Mecanismos de reparo estão presentes em todos os organismos conhecidos, e provavelmente sejam tão antigos quanto a própria vida como a conhecemos, tornando-se mais complexo e eficientes a quanto mais complexo for o organismo em estudo. Podem ser classificada em mecanismos de reversão direta, excisão do dano ou recombinação da lesão. Tendo o reparo obtido sucesso, o ciclo celular prossegue, no caso de sua falha a célula pode ser levada à senescência, à apoptose ou a um quadro de instabilidade genômica que poderá resultar em carcinogênese.

Reversão direta

Consiste em um mecanismo baseado em processos enzimáticos simples, onde o dano no DNA é remediado em um único passo, sem necessidade de uma fita molde para guiar o reparo. Este mecanismo é comum em procariotos e eucariotos inferiores, sendo muito raros em eucariotos superiores.

Reparo por excisão

BER - reparo por excisão de base (Base Excision Repair) é um mecanismo de reparo multi-enzimático baseado na retirada de algumas bases da fita danificada em um trecho que envolva o erro, com subsequente preenchimento da fita corrigida. Este mecanismo faz uso de uma parte da maquinaria de replicação e usa a fita não danificada como molde. Acredita-se que o reconhecimento da fita danificada ocorra através da detecção de distorções estéricas na hélice de DNA.

Recombinação homóloga

Uma das lesões mais graves em uma fita de DNA é a quebra da dupla-fita, seu não-reparo ou reparo incorreto pode acarretar em deleções, inversões, translocações e inserções de diferentes amplitudes. A célula pode lidar com esse dano de duas formas: reparo por ligação ou por recombinação homóloga. Quando ocorre a quebra da dupla-fita formam-se complexos protéicos nas extremidades expostas, cuja função é proteger o DNA de exonucleases e auxiliar no reparo. No caso da ligação, as extremidades são unidas sem o auxílio de nenhuma informação baseada em sequência (homologia), o que frequentemente resulta no surgimento de macrolesões.

Síntese translesão

Durantes eventos de replicação, um dano de DNA é capaz de bloquear a síntese, porém em determinadas situações uma célula necessita continuar a replicação a qualquer custo. Nestes casos, onde não há tempo para ocorrer o reparo por vias normais ou quando, por algum motivo, uma via de reparo não é possível, a maquinaria de replicação sofre modificações que relaxam os mecanismos de fidelidade da replicação e a forquilha de replicação prossegue através do dano, incorporando bases de maneira independente da fita molde, introduzindo mutações na fita sintetizada, passada a região do dano volta a atuar a replicação “fiel” à fita molde.